Viagem de Lula a Pequim e Moscou é mais uma prova de que o mundo mudou e agora é multipolar
- Álan Braga
- 15 de mai.
- 5 min de leitura
O presidente Lula desembarcou em Moscou no dia 07 de maio, com o objetivo de comparecer às comemorações dos 80 anos da vitória na 2ª Guerra Mundial, que ocorreram no dia 09 de maio. Além das comemorações e da viagem simbólica, Lula declarou a necessidade de rebalancear a balança comercial bilateral, entre Rússia e Brasil, que é deficitária para o Brasil (o país latino-americano exporta pouco mais de 1 bilhão de dólares, enquanto importa aproximadamente 11 bilhões de dólares).
Além disso, Lula demonstrou interesse na ampliação da cooperação com o Estado Russo na área de energia, chegando a citar os reatores nucleares de pequeno porte, bem como minerais críticos como lítio, cobalto e terras raras. Destaca-se que Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia afirmou a parceria brasileira com a Rosatom, estatal russa de energia nuclear, para o desenvolvimento desses reatores.
O presidente também reafirmou a posição brasileira sobre a guerra da Ucrânia, em prol da paz e condenando a invasão, em virtude do respeito à soberania territorial. Lula também se colocou novamente disposto a mediar as negociações pela paz e defendeu o multilateralismo, em posicionamento claro contrário aos movimentos unilaterais de Trump.
A despeito de alguns interessantes “outcomes” da viagem à Rússia, a principal agenda do presidente foi em Pequim.
Lula em Pequim

O presidente chegou em Pequim e participou de algumas agendas, como o Fórum Empresarial Brasil-China, reunião bilateral com Xi Jinping e o quarto fórum da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) - China.
Durante a passagem pelo gigante asiático, cujo objetivo principal foi atrair mais investimentos. Embora a China seja o maior parceiro comercial brasileiro, o país é apenas o 7º maior investidor externo no Brasil, atrás de Estados Unidos, e países europeus, como Holanda e Reino Unido.
O objetivo de Lula foi bem sucedido, durante o Fórum empresarial Brasil-China, foram anunciados investimentos de R$ 27 bilhões de empresas chinesas no Brasil:
Meituan: R$ 5,6 bilhões no setor de delivery de alimentação;
Envision: R$ 5 bilhões na criação do primeiro parque industrial net-zero, foco na produção de energia limpa e no desenvolvimento de Combustível de Aviação Sustentável (SAF);
GWM: R$ 6 bilhões para criação de um polo de exportação de veículos para a América Latina;
Mixue: R$ 3,2 bilhões no setor alimentício, bebidas e sorvetes;
CGN: R$ 3 bilhões na criação de um Hub de energia renovável no Piauí, com instalação de parques eólicos, solares e armazenamento de energia, totalizando 1,4 GW de capacidade;
Baiyin: R$ 2,4 bilhões na aquisição de mina de cobre, em Alagoas;
DiDi: R$ 1 bilhão em infraestrutura de recarga para veículos elétricos, a DiDi é dona do aplicativo de transporte 99;
Longsys: R$ 650 milhões na expansão de capacidade para produção de chips e memória no Brasil;
Nortec Química: R$ 350 milhões para construção de uma plataforma industrial de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs).
Além de ampliar a participação da China no portfólio de investimentos estrangeiros no Brasil, o que mais impressiona nos anúncios são:
Transferência de tecnologia para a produção de baterias de lítio;
Transferência de tecnologia para a produção de equipamentos médicos, IFAs e vacinas; e
Criação de um Centro Virtual de Pesquisa e Desenvolvimento em Inteligência Artificial, resultado de uma parceria entre a Dataprev e a Huawei (gigante chinesa de tecnologia).
Implicações Geopolíticas
Essas iniciativas, caso bem estruturadas, têm potencial de inserir o Brasil em mercados-chave, estratégicos e altamente sofisticados em tecnologia no mundo. Quanto maior a complexidade dos produtos, maior o seu valor nas cadeias globais.
Esses acordos e investimentos, após a criação da “comunidade China-Brasil de futuro compartilhado” em 2024, mostram a importância que a China dá ao Brasil, estabelecendo uma relação de confiança e previsibilidade, com cooperações benéficas para ambos os países.
Por fim, vale ressaltar as intenções dos países de ampliarem o turismo e a quantidade de voos entre os países, um dia após a partida de Lula, o governo chinês anunciou a isenção de vistos para brasileiros entrarem na China.
Essa grande visita acontece algumas semanas depois da seguinte declaração:
“Vamos recuperar nosso quintal”, diz Pete Hegseth, Secretário de defesa de Trump sobre América Latina.
A viagem de Lula a Pequim e Moscou evidenciou a realidade, ainda não aceita pelos Estados Unidos, o mundo não conta mais com a primazia absoluta norte-americana, que perdurou de 1990 até a crise financeira global, em 2008. A soberania brasileira de ir aos dois principais rivais norte-americanos, firmar acordos e elevar o peso político das parcerias evidencia a nova realidade do mundo multipolar.
O poder, muitas vezes justificado de forma sagrada ou como um direito natural na história da humanidade — por reis absolutistas, imperadores, líderes religiosos e ideologias como o destino manifesto estadunidense — tende a cegar seus detentores. Mesmo quando sua influência já está em declínio, eles seguem acreditando firmemente em sua primazia. O movimento tarifário de Trump, nada mais é do que uma busca desesperada por retorno de protagonismo e de desacoplamento com a China, todavia, a ameaça e a coerção afastam mais do que atraem, no longo prazo. Enquanto a China trata o Brasil como igual, oferece concessões tecnológicas e o aumento de investimentos, os Estados Unidos tratam seus principais aliados como inimigos, um erro estratégico gigantesco.
A pergunta que surge é a seguinte: então Lula escolheu a China?
Ao mesmo tempo em que estava na China, o principal ministro de seu governo, Fernando Haddad (Fazenda), estava em tour pelos Estados Unidos. O ministro visitou gigantes tecnológicas e anunciou um plano para antecipar os efeitos da reforma tributária para o setor de data centers, com expectativa de atrair R$ 2 trilhões em investimentos para o Brasil nos próximos 10 anos. Isso mostra a visão do atual presidente, de que a parceria com os Estados Unidos é central para o Brasil, entretanto, os americanos são um dos polos econômicos e de poder global, não mais o único polo relevante. A mensagem é clara, o Brasil e a América Latina não são quintais, na verdade são soberanas e estreitam cada vez mais a relação com o principal rival geopolítico norte-americano — por exemplo, a Colômbia, hoje (15 de maio), tradicional aliado americano na região, assinou a adesão à nova rota da seda, programa de investimentos chineses. Ameaçar, tentar derrubar governos ou instalar crises pode funcionar no curto prazo, mas no longo só afastará ainda mais a região do vizinho mais poderoso (EUA).
Ou os Estados Unidos mudam sua abordagem com a América Latina, com mais investimentos, transferências de tecnologias e maior generosidade, ou a região seguirá o curso natural atual: aprofundar ainda mais os laços com os chineses. Após a viagem, o recado de Haddad foi claro: “EUA devem ser mais generosos com a América Latina em questões econômicas”.
Já que Pete Hegseth vê a América Latina como quintal, tem-se uma boa analogia com o futebol, esporte tão querido na América do Sul e na China, se um time, em uma competição mata-mata, perde o jogo em casa — todos que acompanham o esporte sabem — dificilmente ganhará a competição. Se a estratégia de Trump para virar o jogo em “casa” for baseada em ameaça e coerção, como fez com o Panamá e o Canadá, a derrota será inevitável.
Referências:
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